Nota técnica Jurídica sobre militares e o novo código eleitoral

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A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DE POLICIAIS MILITARES E BOMBEIROS MILITARES E PENSIONISTAS DO BRASIL-ANERBM, neste ato

representando os mais de 200.000 (duzentos mil) Policiais Militares, Bombeiros Militares, ativos, veteranos e pensionistas do Brasil, vem publicamente encaminhar às entidades filiadas, parecer jurídico sobre a Constitucionalidade de elegibilidade dos Policiais Militares e Bombeiros Militares Estaduais, conforme razões a seguir fundamentadas:

NOTA TÉCNICA JURÍDICA

Acerca da exigência dos militares se afastarem das atividades ou serem agregados no prazo de até 5 (cinco) anos anteriores ao primeiro dia do período exigido para a escolha dos candidatos e deliberação das coligações, do ano em que se realizarem as eleições.

Esta nota contém o principal fulcro de emitir análise jurídica quanto a esta exigência de quarentena para a candidatura eleitoral dos militares.

Alterar o Código Eleitoral, estabelecendo uma quarentena de cinco anos, é tentativa clara de barrar eventual candidatura de centenas de militares que desejam concorrer às eleições.

Para emissão da presente análise foram consideradas o Projeto de Lei nº 112, de 2021, a Constituição Federal, legislações referentes ao tema e jurisprudências eleitorais.

É válido reforçar desde logo, que se trata de uma conduta inadmissível e discrepante, haja vista que os militares como quaisquer cidadãos, têm os direitos políticos assegurados pela Constituição Federal. Os marcos legais em vigor já estipulam requisitos e prazos rígidos para que os militares deixem os cargos caso almejam concorrer a mandatos eletivos.

PRELIMINAR

O intuito desta análise é demonstrar a inconstitucionalidade da exigência que se pretende impor aos militares, realizando uma abordagem técnico jurídica acerca do o direito

fundamental de ser candidato e que não deve, jamais, sob qualquer hipótese, ser tolhido ou ameaçado.

É certo que, por força constitucional, o Brasil, como República Federativa de um Estado Democrático, conduz-se pela representatividade política do povo, junto aos Poderes do Estado, a partir de eleições periódicas que são consubstanciadas pela soberania popular no exercício do direito de sufrágio (arts. 1º, parágrafo único, 14, caput), nas quais qualquer cidadão tem o direito de requerer o registro de sua candidatura, desde que respeitadas as condições constitucionais e legais de elegibilidade e de incompatibilidade (CF, art. 14, § 3º, I a VI, a, b e c; Lei 9.5041/1997, arts. 9º, parágrafo único, e 11, § 14), mas que não incida em quaisquer das causas de inelegibilidades (CE, art. 3º, e LC 64/1990, art. 1º).

Pois bem, Em igual sentido e que serve de parâmetro para a norma interna, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, art. 21, item 1, dispõe que “toda pessoa tem direito a tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio de representantes livremente escolhidos”, como também se extrai da Convenção Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos que “todo cidadão tem o direito e a oportunidade, sem qualquer restrição excessiva, de votar e ser eleito, em eleições periódicas legítimas”, por sufrágio universal e igual e por voto secreto, assegurando a livre expressão da vontade dos eleitores (art. 25, item b), daí sempre dizer que a noção de eleições democráticas está enraizada no conceito fundamental de autodeterminação como princípio republicano (CF, art. 4º, III).

Vale destacar, que o Estado democrático de direito, ao ser instituído por nossa Constituição, buscou assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, devendo o poder ser exercido pelo povo através de representantes eleitos, consagrando dessa maneira a participação de todos no processo político da Nação.

A propósito, o Pluralismo político é um fundamento constitucional, expresso no inciso V do Art. 1° da CF/88, que significa, a existência de várias opiniões e ideias com o respeito por cada uma delas.

Através da ideia de pluralismo político, então, busca-se assegurar a liberdade de expressão, manifestação e opinião, garantindo-se a participação do povo na formação da democracia do país. Por fim, esse princípio garante a inclusão dos diferentes grupos sociais no

processo político nacional, outorgando aos   cidadãos liberdade de

convicção filosófica e política. É uma proteção contra o autoritarismo de qualquer grupo que tente se valer da posição dominante para reprimir aqueles que com ele discordarem.

Nessa esteira, os objetivos fundamentais traduzem fins a serem perseguidos pelo Estado brasileiro e estão previstos no art. 3º da Carta Magna:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; […]

  1. – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Ocorre que impor a obrigatoriedade de uma quarentena de cinco anos para que os militares que desejam disputar as eleições, além de ferir a Lei maior, é discriminatória. Verifica-se que um grupo valendo-se da posição dominante busca impedir a candidatura de militares.

Destaco, desde logo, que a repentina ampliação do tempo de inelegibilidade eleitoral para determinadas categorias de servidores, em especial aos militares, às vésperas de um processo eleitoral, constitui flagrante casuísmo no atual contexto político – além de violar as garantias de milhares de brasileiras e brasileiros que dedicaram suas vidas à prestação de serviços públicos essenciais à população.

Tentativas de impedir que militares venham a participar do debate público e da vida política do país contrariam frontalmente o espírito do constituinte originário, que não impôs limites ao exercício da cidadania por parte daqueles que integram as forças de segurança.

DA FUNDAMENTAÇÃO

Os principais direitos políticos são o direito de votar e ser votado, que constituem, respectivamente a capacidade eleitoral ativa e a passiva. O gozo desses direitos decorre da nacionalidade e não pode sofrer restrição, perda ou suspensão, senão em virtude de preceito constitucional.

“Direito Político”, segundo Pontes de Miranda1, “é a capacidade de participar da organização e funcionamento do Estado”. (MIRANDA, 1967, p. 573).

Como direito fundamental do cidadão, o ordenamento jurídico, através de leis, disciplina variadas regras e normas a serem observadas para que se qualifique como candidato, cujas restrições não devem ser excessivas, pois há de prevalecer como comando a regra da participação, sendo exceção a não-participação.

Como ordem legal, a verificação de atendimento, pelo cidadão, das condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade deve ocorrer em período determinado quando se apresenta, perante a Justiça Eleitoral, com a formalização do pedido de registro de sua candidatura, quando então se pode falar que o pretendente está apto a ser votado e, assim, não é considerado como inelegível (impossibilidade de se eleger ao cargo que quer disputar na eleição periódica), decorrendo aí dos pertinentes efeitos práticos nos âmbitos político e jurídico.

De efeito, inexiste qualquer norma em nosso ordenamento jurídico que impeça ou frustre o direito constitucional do cidadão de requerer o registro de sua candidatura, porquanto este direito fundamental é assegurado pelo próprio Código Eleitoral ao dispor que qualquer cidadão pode pretender investidura em cargo eletivo (CE, art. 3º) e que são condições de elegibilidade, na forma da lei (CF, art. 14, § 3º) e, ainda, que são inelegíveis para qualquer cargo os que (…) (LC 64/1990, art. 1º, I).

Desta feita, o direito fundamental de se candidatar não deve, jamais, sob qualquer hipótese, ser tolhido ou ameaçado, não obstante os efeitos gerados a causarem, infelizmente e de forma inexplicável, determinado tumulto político-eleitoral com inúmeros prejuízos de ordem jurídico-administrativa em âmbito nacional, ficando, toda a sociedade brasileira, apenas no aguardo de atitudes coerentes, equilibradas e ponderadas acerca da voluntariedade ou de composições políticas de melhor disciplinamento da situação do pretenso candidato.

DA ELEGIBILIDADE DOS MILITARES

De acordo com o § 3º do artigo 14 da Constituição Federal de 1988, uma das condições de elegibilidade é a filiação partidária.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:

§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei: (…)

  • – a filiação partidária;

A Carta de 1988 também dispõe em seu artigo 142, § 3º, V, que é vedado aos militares o direito de filiação partidária.

Art. 142,

§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições:

(…)

V – o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar filiado a partidos políticos;

Porém, ainda estabelece que o militar alistável é elegível.

Art. 14,

§8º O militar alistável é elegível , atendidas as seguintes condições:

  1. – se contar menos de dez anos de serviço, deverá afastar-se da atividade;
  2. – se contar mais de dez anos de serviço, será agregado pela autoridade superior e, se eleito, passará automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade. (Destacamos)

Assim, tendo em vista o impedimento de se filiar a partido político, a filiação partidária não lhe pode ser exigida como condição de elegibilidade.

Será apenas necessário que o Militar esteja inscrito como eleitor, e tenha seu nome escolhido na convenção realizada pela agremiação pela qual pretende concorrer.

No mesmo sentido o STF:

“Em função da missão constitucional outorgada às instituições militares, o estatuto jurídico de seus membros difere dos civis, sendo vedado àqueles, v.g., a filiação partidária e sindical, exercício de greve, impetração de habeas corpus contra punições disciplinares. (Precedentes: HC 108.811, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Segunda Turma, julgado em 08.11.2011 e também Habeas Corpus nº 110.328/RS, 1ª Turma do STF, Rel. Marco Aurélio. j. 11.11.2014, maioria, DJe 09.02.2015).

Desse modo, O afastamento ou a agregação do candidato militar só ocorre após o deferimento do registro, razão pela qual não se há de exigir prova de desincompatibilização do candidato, em momento anterior. Defere-se o pedido de registro de candidato vinculado à coligação considerada apta.

Consigne-se que o objetivo da desincompatibilização, é proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do abuso no exercício de função, cargo ou emprego na Administração Direta ou Indireta, o escopo direto é promover uma maior equidade no processo eleitoral.

Nesse sentido, desincompatibilização eleitoral, portanto, é a liberação legal para que a cidadã ou o cidadão possa se candidatar e concorrer em uma eleição. Para isso, o pré- candidato deverá observar, caso a caso, os prazos constantes da Lei de Inelegibilidade (Lei Complementar 64/90) e da jurisprudência eleitoral.

Cumpre ressaltar que, O TSE tem entendido que o Militar elegível, que não ocupe função de comando, não se submete ao prazo de desincompatibilização, a contrário sensu, caso o Militar elegível, ocupar função de comando, deve se submeter ao prazo de desincompatibilização.

1. O Militar elegível, que não ocupe função de comando, não se submete ao prazo de desincompatibilização previsto no art. 1º, II, “l” da LC nº 64/90, devendo se afastar após o deferimento do seu registro de candidatura, consoante o disposto nos arts. 14, § 8º, da CF, 98, parágrafo único, do CE e 16, § 4º, da Res. TSE nº 22.717/2008. Precedentes. 2. Agravo regimental desprovido. (Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 30182, TSE/SP, Rel. Marcelo Henriques Ribeiro de Oliveira. j. 29.09.2008, unânime).

Assim, os militares já possuem uma série de imposições para se candidatarem, pois são proibidos a filiação partidária, aqueles que possuem menos de 10 anos afastam-se definitivamente da atividade pelo simples fato de saíram candidatos e aqueles com mais de 10 anos são agregados e se eleitos passam automaticamente, no ato da diplomação, para a inatividade.

Coerente com o raciocínio anteriormente expresso,

excluir genericamente toda uma classe do exercício da elegibilidade seria restringir demasiadamente seus direitos políticos. Restrição tão ampla não encontra amparo em qualquer formulação doutrinária atualmente aceita.

O referido intento, fere o princípio da isonomia que está previsto no art. 5, caput, da Constituição Federal que dispõe o seguinte:

“Art. 5. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade […]”.

Para corroborar, o inciso VIII, do art. 5º da Constituição Federal, não priva ninguém de direitos por motivo de convicção política. Vejamos:

VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;

Vale dizer, que o princípio da isonomia visa combater qualquer forma de discriminação. Uma vez que todos são iguais perante a lei, não se pode conferir vantagens especiais a ninguém, pois não há nenhum indivíduo mais importante que outro. Todos têm os mesmos direitos e deveres e, por isso, o Direito deve trata-los de forma homogênea.

Sabido é, que a referida exigência foi introduzida no texto do novo Código Eleitoral aos 45min do 2º tempo. A pressão para que esse ponto fosse incluído no texto veio de vários partidos de centro, o que deixa nítido que a medida visa atingir candidaturas específicas.

Verifica-se que, o que se pretende com o referido Projeto é atingir o Presidente da República “Jair Messias Bolsonaro”, que implementou ações rígidas de combate a corrupção.

Infere-se também, o quanto a presença de militares no exercício das atividades políticas incomoda aqueles da velha política brasileira, de modo que a proposta visa barrar a candidatura de militares. É nítido que a medida visa atingir candidaturas específicas.

Portanto, a aprovação da referida medida trata-se de

uma verdadeira injustiça e que tem o viés ideológico de impedir a candidatura de militares, o que fere direito constitucional, colocando em xeque o próprio Estado Democrático de Direito, retirando dos militares por 5 (cinco) anos seus direitos políticos.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, a presente Nota Técnica confere fundamentação jurídica suficiente para que a referida proposta NÃO seja aprovada, resguardando o direito dos militares de serem votados sem que lhe sejam exigidos quarentena para se candidatarem, em igualdade de condições com os demais que pretendem concorrer a cargo eletivo.

A proposta “restringe indevidamente direitos políticos e viola os princípios constitucionais de isonomia, da proporcionalidade e razoabilidade, vez traz a exigência apenas para alguns servidores e militares.

Exigir o afastamento do militar do cargo pelo período mínimo de 5 (cinco) anos é irrazoável e não tem razão sólida, já que os prazos para a desincompatibilização eleitoral são contados com base no dia da eleição e variam de três a seis meses, dependendo da classe a que o agente público pertence.

Ademais, o Presidente da República, governadores, deputados (federais e estaduais), senadores e prefeitos candidatos à reeleição podem concorrer sem necessidade de afastamento dos cargos, bem como o vice-presidente da República, vice-governadores e vice- prefeitos, desde que não tenham substituído o titular nos seis meses anteriores ao pleito.

Logo, o indevido enfraquecimento da participação e da igualdade na democracia estabelecida no regime constitucional brasileiro deve ser combatido com a extensão da capacidade eleitoral passiva, não com a sua restrição.

Destarte, a elegibilidade é direito constitucional que traduz a expressão máxima do exercício da cidadania, a tal ponto que a sua mitigação coloca em xeque a própria existência do Estado de Democrático de Direito.

É premente que se deixe claro a seriedade do assunto ora discutido, em que restou comprovado na presente nota, que a proposta visa barrar a candidatura de militares, retirando por 5 (cinco) anos seus direitos políticos. É premente que se deixe claro a seriedade do assunto ora discutido, em que restou comprovado na presente nota, que a proposta visa barrar a candidatura de militares, retirando dos militares por 5 (cinco) anos seus direitos políticos.

A ANERMB não se furtará em colocar à disposição de todos os militares estaduais nossa estrutura jurídica para refutar qualquer tentativa inconstitucional de afronta às garantias e prerrogativas dos militares estaduais.